“A taberna” de Paulo Vinhas Moreira

«A taberna» é o título de mais uma das Histórias do Contrabando. Mapeado e recolhido no concelho do Sabugal, o testemunho da D. Carmelinda d’Anunciação é gravado em 2017 na aldeia de Quadrazais, no preciso local, onde deu de comer e beber anos a fio aos principais protagonistas das lides da arte do “Contrabando para a barriga”.

Aqui, como em tantos outros lugares semelhantes por essa raia fora, servia-se abrigo, aconchego, uma refeição quente e uma porta sempre aberta para quem vinha por bem.

“O melhor ponto de encontro que cá havia, era aqui. A casa aqui era grande e às vezes ainda tinham que ir lá para cima.”

D. Carmelinda d’Anunciação é o testemunho claro de uma mulher raiana de garra, que sem nunca ir a Espanha, vai na volta, a Guarda Fiscal já fazia uma visita ao estabelecimento. Dona de uma intuição ímpar, como podemos testemunhar neste episódio, não havia movimentação suspeita que não a deixasse alerta. Sempre com um olhar e ouvido atento, com o objetivo de proteger aqueles que apenas faziam pela vida.

Quer do lado Português, como do Espanhol, o papel da mulher no Contrabando não se limitava apenas a enrolar um par de tecidos e “combinações” ao corpo e passar a fronteira. Nomeadamente perto dos anos 50 e 60 a mulher tinha um papel extremamente ativo. Não só no papel de matriarca familiar, mas também como na organização e gestão dos produtos que vinham ou ião para outro lado. Organizando os recursos necessários para que a operação fosse um sucesso. Na sombra do Homem a mulher teve um papel importantíssimo. De Contrabandista a vendedora ambulante, ao longo da recolha de testemunhos que o projeto tem levado a cabo, para além de ir buscar ainda distribuía as mercadorias pelas aldeias e cidades vizinhas interpretando o papel de mercadora ambulante.

A curta-metragem «A taberna», realizada por Paulo Vinhas Moreira, é apresentada no canal YouTube «Espacio Fronteira», com o apoio do FEDER e do programa Interreg Espanha-Portugal 2014-2020. (CineEco’20 – Menção honrosa júri da juventude panorama regional)

No lado Espanhol, as mulheres tiveram que por vezes, deixar os filhos durante dias sozinhos em casa. Tal conta um dos testemunhos recolhidos no Sul de Espanha. Devido aos vestígios da guerra civil viram-se de um momento para o outro num país meio destruído pela ditadura Franca, viúvas e com filhos nos braços apenas lhes restava fazerem-se ao caminho. Era simples, se faltavam ovos, contrabandeava-se ovos, se faltasse o pão era o pão que passava. Enfim o que fizesse falta.

Ao longo das recolhas, denota-se a importância do Contrabando no feminino, onde os produtos eram aqueles que mais faziam falta em determinadas alturas do ano.

O projeto “Histórias do Contrabando”

O projeto “Histórias do Contrabando” tem como linhas orientadoras o mapeamento e levantamento dos últimos testemunhos vivos dos protagonistas de uma das histórias ibéricas mais fascinantes e quase secretas do século XX. A passagem da linha imaginária, criada pelo Homem, onde o jogo do gato e do rato é uma constante.

O projeto devolve-nos as últimas memórias destes salteadores. Traficantes de mercadorias e de sonhos, fugitivos dos impostos, mas também do destino de fome e pobreza. É um retrato fiel do que foram ou são ainda, as zonas raianas ibéricas. De ambos dos lados da verdade. Guardas fiscais, contrabandistas, sociólogos, escritores entre outros, que fazem parte deste elenco de recolha de um dos bens mais preciosos que estas terras podem ter. O seu património imaterial, de profunda escassez.

O projeto tem vindo a recolher em cerca de 3 anos, quase uma centena de testemunhos gravados na primeira pessoa, de norte a sul da raia ibérica, de ambos os lados da fronteira. As recolhas são feitas sobre o formato de vídeo que após o seu tratamento e análise revertem em pequenos episódios de uma série intitulada “Histórias do Contrabando”. Episódios que se querem na sua essência mais rudimentar e pura possível. Numa tentativa modesta de registar e caracterizar um povo que partilha de um estilo de vida semelhante. Onde a linha que os separa é a mesma que os une. O projeto encontra-se aberto em constante recolha e sinalização.

A pandemia veio revelar ainda mais a enorme importância que estes projetos têm para estes territórios e a urgência de uma rápida recolha da memória oral e do seu património intangível. Não só as memórias relacionadas com o tema do contrabando, mas para um conjunto de saberes e costumes, em que os seus fiéis depositários, são os mais afetados um pouco por toda a península ibérica. A raia não é diferente. Estarão com certeza em algum lado, pois o património não é estático nem imóvel, nem meramente material. Contém um caracter vivo e sem referência mecânica. Esta zona ibérica tem múltiplas expressões tradicionais que precisam de ser mais bem conhecidas e valorizadas nas suas diferentes manifestações e interpretações. Não “Fakelorizadas” e massificadas ao seu potencial económico do turismo estandardizado, mas respeitadas, compreendidas e inventariadas. Para a interpretação de uma sociedade e de um território que sofreu profundas alterações estruturais, devido a vários fatores que aconteceram em simultâneo. A abertura do espaço Schengen, foi apenas mais um.

Nota biográfica

Paulo Vinhas Moreira, nasce em 1981 em Castelo Branco. Com laços familiares à raia da beira baixa, onde desde muito cedo se habituou a conviver com o imaginário da realidade de uma povoação que se encontra a pouco mais de uns minutos do país vizinho. Vai na volta, já se encontravam um par de pesetas para ir aos caramelos, num programa típico familiar de domingo à tarde. Desde muito cedo dedica a sua atividade académica ao estudo das artes visuais, onde se licencia e mais tarde, torna-se mestre no ensino das artes visuais. Encontra-se a frequentar a pós-graduação em património cultural imaterial na universidade lusófona. Em paralelo a fotografia e o vídeo são uma constante no seu percurso, desenvolvendo algumas exposições coletivas e individuais de fotografia de autor. Em 2016 apresenta um documentário intitulado “Contrabando” no CineEco Seia onde foi merecedor de destaque pelo júri lusofonias. Em 2016 vence o 48h film festival castelo branco, que o leva até aos Estados Unidos com o filme “Os cães da barragem” produzido em colaboração com duas companhias de teatro amador locais e voa até Seattle em representação de Portugal e Castelo Branco no Filmepalooza. Em 2018 o autor produz um pequeno documentário intitulado “O último moleiro do rio Ocresa” em colaboração com o professor Carlos Matos e levam o “Ti Diogo” até ao Brasil no Fórum Mundial da Água. Em 2018 cria a série “Histórias do contrabando” onde o primeiro episódio “A estrela do Norte” gravado em Alcoutim, Algarve, vence na categoria de melhor documentário o festival de curtas metragens Manchicurtas.

Posteriormente outros episódios têm vindo a ser submetidos a alguns festivais de cinema onde têm ganho algum destaque. Em 2020 o autor apresenta o documentário intitulado “220 metros de Guadiana” que vence o 2º lugar no Art&Tur international tourism film festival na categoria etnografia e sociedade.

IMAGEM: Paulo Vinhas Moreira

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